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PROFISSÃO TOUR MANAGER: EM BUSCA DA TURNÊ PERFEITA

por Cuca Pimentel

A vida de um tour manager não é tão glamorosa como a maioria das pessoas pensa. A galera vê o manager no palco, conversando e rindo, mas sequer imagina as preocupações que se passam na cabeça daquele profissional – se às vezes estamos nos divertindo, até mesmo no celular, com certeza estamos cuidando de vários detalhes para a próxima gig do artista, que geralmente acontece logo em seguida, algumas vezes na mesma noite. A correria dessa profissão é imensa!

Por serem funções bem parecidas, muita gente costuma confundir os cargos de tour manager com o de road manager. Basicamente o que difere os dois é que o road é responsável pela estadia do artista, divisão de quartos quando há mais acompanhantes, late check-out quando for necessário, dinheiro e pagamentos de eventuais despesas, além de contratar técnicos (caso haja necessidade) e participa ativamente da passagem de som no local da gig. O tour manager, por sua vez, já vem com a logística toda montada, só precisando fazer com que ela funcione direito e que assim a turnê aconteça da forma que foi planejada.

Particularmente, quando comecei nesta carreira, sequer sabia o termo correto para denominá-la. Já faz 12 anos que estou nesse meio, e aprendi tudo na marra, na prática. Não tinha ninguém pra me guiar, no máximo contava com o apoio das pessoas das agências que me contratavam, que sempre foram incríveis me oferecendo suporte, e assim fui aprendendo meio que por osmose.

O contato das agências com o tour manager é feito normalmente por WhatsApp e depois formalizado via e-mail. Esta primeira comunicação serve para saber se os artistas pelos quais o manager é responsável têm datas disponíveis. Em caso afirmativo, o tour já fecha os dias na agenda e tudo passa a ser formalizado por e-mail. Algumas vezes pode haver problema com conflito de datas. Comigo, por exemplo, dois artistas com quem eu sempre trabalho, a The Blessed Madonna e o Dekel, foram solicitados para apresentações no mesmo dia. Nessa ocasião, como eu já havia fechado a gig da TBM para o Time Warp Brasil primeiro, o Dekel acabou tendo que viajar com outra pessoa, mas no final, deu tudo certo.

O Manual Básico de Um Bom Tour Manager

Mais importante que saber da carreira do artista, é estudar a logística da turnê, que é muito mais relevante para o tour manager. É preciso ter tudo muito claro na mente. Quando é a primeira vez que trabalhamos com um artista, aí sim, é bem válido dar uma pesquisada no perfil do SoundCloud, Spotify e até Instagram, pra conhecer melhor sua carreira, agenda e músicas, mas tudo isso por último, pois a prioridade mesmo é a logística.

Isso acontece principalmente quando se trabalha com artistas de vertentes diferentes das quais estamos acostumados. Eu geralmente faço jobs ligados ao Techno e ao House, mas gosto de desafios, de sair da minha zona de conforto, então não costumo me prender a estilos. Trabalho é trabalho, independente da vertente da música eletrônica.

Em turnês mais longas, uma dica é passar tudo para o papel, pois facilita a visualização. Anotar tudo, dia por dia: nomes e contatos de motoristas, produtores, organizadores, equipe técnica, horários, vôos. O bom de ter todas essas informações no papel é que, além de não correr risco de confundir as coisas, nunca sabemos quando a tecnologia pode nos deixar na mão; dá mais segurança.

A maior responsabilidade do tour manager é a entrega da turnê perfeita – sem atrasos, sem reclamações, com cliente e agência satisfeitos e público feliz. A agência monta a logística, faz toda a parte de contratação do artista, vôos, reservas em hotéis, carros e motoristas, e contato com clientes e produtores. Já o tour, bota a logística para funcionar.

A agência ou artista não precisariam do tour manager se tivessem a certeza de que não haverá problemas durante a turnê, mas contratempos acontecem e é por conta disso que a função do tour é muito importante. Grande parte da população brasileira não fala inglês fluente, então a barreira já começa na hora que um artista internacional põe os pés no país. Tem artistas de vários países que mal sabem falar o próprio inglês direito… Imagine a loucura que seria se eles não estivessem acompanhados por alguém fluente nesse idioma!

Problemas acontecem. Nem sempre, mas na maioria das vezes e nos mais diferentes formatos, desde atraso de vôo até fãs exaltados gerando confusão, equipamentos que não funcionam, instalações inadequadas, transporte… Enfim, a gama de possíveis transtornos é grande, e justamente por isso o tour manager precisa ser proativo e rápido no raciocínio, assim podendo resolver qualquer problema antes que atrapalhe a turnê. Um problema mal resolvido pode gerar um efeito dominó e comprometer as outras apresentações.

Profissionalismo e Jogo de Cintura

Nos eventos, quando chegam mais cedo, artistas e managers geralmente são recebidos pelos promoters e produtores e conduzidos diretamente para o camarim. Em eventos grandes como uma XXXperience ou Tribe, por exemplo, tem um pessoal responsável pelos camarins que nos dá assistência enquanto estivermos por lá. Todo o rider de bebida e comida já ficam prontos, tudo arrumado para a nossa chegada. 

No palco, a figura principal com quem o tour manager fala é o stage manager, que irá mostrar quem são os técnicos de som e luz, e também os responsáveis pelos efeitos especiais, quando houver. Essas pessoas são indispensáveis pra que tudo ocorra dentro do planejado; é importante ficar sempre de olho neles.

Um bom tour manager nunca sai de perto do seu artista. Eu costumo ficar sempre no palco, saindo apenas se for extremamente necessário. Fico de olho se o copo do artista está vazio, se ainda há cigarro e isqueiro disponível (caso o artista seja fumante), se o som está rolando direito, se tem gente querendo invadir o espaço, se a luz não está incomodando, se é preciso que o fotógrafo faça uns cliques extras, se o artista quer que eu filme com o celular, etc.

Quando não há intimidade com o artista, é mais adequado ficar do lado de fora do camarim, mas de prontidão, afinal a obrigação principal do tour é cuidar do bem estar daquela pessoa, em cima e fora do palco. É muito importante que o manager tenha feeling para não invadir a privacidade da pessoa com a qual está trabalhando.

Lidamos com personalidades diferentes, egos diferentes e culturas diferentes. Algumas são extrovertidas, outras mais tímidas, por isso é normal rolar um nervosismo quando trabalhamos com algum DJ pela primeira vez.  Costumo falar apenas o necessário, perguntar o básico e vou sentindo o jeito da pessoa. Se ela der mais abertura, começo a puxar mais papo, senão, fico quieta e aguardo que venha me perguntar ou pedir o que precisa. Às vezes o artista não quer diálogo simplesmente porque passou as últimas 12 horas viajando e não dormiu direito, e não necessariamente por ser uma pessoa grossa ou arrogante. É preciso saber respeitar esse limite e sempre ficar atento aos sinais.

Não são muitos artistas que têm pedidos extravagantes. Às vezes eles pedem alguma bebida que é mais difícil de arrumar, então a agência envia a opção mais semelhante disponível e cabe ao artista aprovar ou não. Geralmente os pedidos mais bizarros vêm de artistas que se apresentam em festivais como Rock in Rio ou Lollapalooza, por exemplo. Quando trabalhei no Rock in Rio 2013, soube de alguém que pediu que a distância entre a mesa de cabeceira e a parede do quarto onde se hospedaria fosse exatamente de 30 cm (sabe-se lá por quê!).

Os DJs são mais tranquilos em relação a estas solicitações. Diferente do que muitos pensam, a grande maioria é bem sossegada. Muitos estão no meio de uma turnê imensa e só querem saber de comer, dormir e se apresentar; nada de festinhas pós apresentação. Geralmente pedem room service, difícil quererem sair para jantar num restaurante, por exemplo. Muitos querem ficar quietinhos no quarto cuidando da apresentação ou apenas descansando.

Ainda que existam artistas super tranquilos, alguns causam problemas gigantescos. Certa vez trabalhei com uma pessoa que passou da conta com os drinks e causou demais. O cara tinha problemas reais com bebida, e acabou com a festa arrumando briga com todos. Brigou com o parceiro, tocou em mim de forma inapropriada e indesejada, ficou extremamente agressivo. A noite foi pesada.

Essa história foi o maior problema que já passei em todos anos de carreira. Fiquei nervosíssima por dentro, mas mantive a calma, respirei no saquinho e consegui ajeitar tudo da melhor forma que pude naquele momento. Foi minha maior prova como tour manager, sem sombra de dúvidas; senti que se passei por aquilo, passaria por qualquer coisa que viesse.

Seja o job feito com headliners ou com nomes menores, não existe diferença – todos são artistas e seres humanos como qualquer outro, merecem ser tratados da mesma forma. Aliás, algo imprescindível no tratamento de todos nesse meio é a educação, respeito, humildade e profissionalismo. Desde a pessoa que recebe o artista e equipe, até a turma da segurança, pessoas que cuidam da manutenção dos banheiros, promoters e donos da festa. Nunca é demais agradecer, ou dizer um “por favor”, “com licença”… Um sorriso também pode abrir muitas portas.

É preciso deixar claro também que criar amizade com um artista é consequência de trabalho bem-feito. O tour manager não é contratado para ser amigo de ninguém, está ali para desempenhar seu papel da melhor forma possível e com toda responsabilidade do mundo. Se alguém tem intenção de se tornar manager apenas para ter contato com artistas, já está começando errado; tente outra profissão porque esta não vai dar certo. A carga de trabalho é pesadíssima e muitos desistem no meio do caminho por fantasiarem algo que, no dia a dia, é bem diferente.

Por quê Escolher esta Profissão?

O melhor deste trabalho é quando se consegue entregar a turnê sem problemas, quando o artista vai se despedir e te agradece com um abraço apertado, às vezes até querendo fazer uma foto contigo, e quando a agência parabeniza pela turnê bem feita. Quando é comigo, me sinto como se fosse a mulher mais alta e mais forte na face da Terra. É um orgulho e sentimento de dever cumprido sem tamanho.

Amo demais essa profissão. Tenho lembranças incríveis que levarei pro resto da vida. Já me falaram até pra escrever um livro (risos), porque tem muita história, e fico orgulhosa em dizer que 99% delas são maravilhosas e bem engraçadas.

Faço o que faço com o maior prazer do mundo, e confesso que tenho sofrido bastante durante esta pandemia, afinal, trabalho mesmo é com aglomeração e sabe-se lá quando poderemos voltar à ativa. Sinto falta de viajar todos os finais de semana e conhecer lugares e pessoas que não conheceria se estivesse em outra profissão. Sinto falta da correria, do cansaço e até da fome (os únicos pontos que menos gosto são o sono e a fome), mas mesmo assim, não troco a profissão de tour manager por nenhuma outra.

Fotos: Aldo Paredes

com The Blessed Madonna

SOBRE: CUCA PIMENTEL

Tour manager e Road manager há mais de 12 anos, Cuca já trabalhou ao lado de nomes prestigiados da cena eletrônica, como Fatboy Slim, Tale of Us, Carl Craig e Amelie Lens.