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A NOITE DE DEMOLIÇÃO DA DISCO MUSIC

História

Em 12 de julho de 1979 o Cominsky Park em Chicago foi palco de um dos espetáculos mais bizarros já registrados na história da música e do esporte – no intervalo entre jogos dos times de baseball que disputavam a noite, uma explosão de 20 mil discos de vinil roubou a cena e levou a torcida à loucura.
Para entender melhor os acontecimentos daquela noite e o que motivou tamanha comoção, precisamos voltar alguns anos e rever sobre o nascimento da Disco Music, gênero musical que tomou conta de boa parte dos Estados Unidos naquela época. 

FEBRE DISCO MUSIC

A disco music surgiu nos anos 70 como um movimento underground muito forte em Nova Iorque e se espalhou rapidamente para demais regiões como Chicago, que sempre foi considerada uma cidade muito musical.  

Ao mesmo tempo, a cena clubber e a dance music no geral se popularizavam mais e mais, principalmente entre o público gay, afro-americano e a comunidade latina dos Estados Unidos. Os clubes que brindavam o público com noites disco tornaram-se naquele momento um lugar “seguro” para esses grupos, que podiam ir dançar e celebrar a vida à sua maneira, sem o julgamento extremamente preconceituoso e opressor daquele tempo.

Rapidamente, a música disco se tornou moda global. As batidas dançantes e melodias alegres causavam ânimo no público, que durante as noites glamurosas dos sábados à noite, conseguiam esquecer um pouco o fardo do dia a dia. A disco saiu de baixo dos panos e delicadamente conquistou o gosto de qualquer pessoa que buscasse simplesmente se divertir. 

Mas infelizmente, neste caso os termos “qualquer pessoa” não equivalem a “todas as pessoas”. Na Chicago dos anos 70, o fato de um gênero musical vindo de comunidades excluídas estar dominando o topo das paradas, desagradava muita gente. 

Moradores de uma das maiores cidades dos EUA dizem que o mundo tem uma imagem de Chicago como um lugar bem homogêneo em relação à sua população, mas que na verdade, é bastante segregada, e era ainda mais décadas atrás, quando dava pra enxergar claramente a divisão entre negros e brancos dos Estados Unidos nos anos da segregação racial declarada. 

A NOITE DA DEMOLIÇÃO DO DISCO

O evento que mais à frente ficaria conhecido como “Disco Demolition Night” (Noite da Demolição do Disco), foi planejado por Steve Dahl, apresentador de rádio local que iniciou a campanha da demolição de vinis em massa. A partida daquela noite estava programada entre os times Chicago White Sox (donos da casa) e Detroit Tigers, mas o que mais se via pelo estádio eram faixas com os dizeres “Disco Sucks” e milhares de pessoas eufóricas pelo show prometido para o intervalo.

Com a derrota do White Sox na primeira parte do jogo, chegava o momento mais esperado daquele 12 de julho: Steve Dahl, usando um traje que imitava a figura de alguma patente militar e acompanhado de outros apoiadores da campanha, se dirigia ao meio de campo e começava a narrar os minutos que antecediam à grande explosão de vinis. Dahl incitou a platéia em tom aparentemente debochado, reforçando a frase “Disco Sucks”, e em seguida centenas de milhares de LPs foram lançados ao ar numa explosão que mais parecia um show pirotécnico.

O auditório foi a delírio, tanto que quando o White Sox reapareceu em campo no aquecimento para o segundo jogo, algumas pessoas da arquibancada invadiram o campo fazendo palhaçadas ainda no clima “demolição do disco”, e em questão de minutos cerca de 70 mil pessoas formavam um mar de gente no centro do Cominsky Park. 

Os narradores do evento tentaram convencer a multidão a retornar a seus acentos, pra que a competição pudesse continuar, mas a situação já estava fora do controle, e após 40 minutos de baderna tiveram que apelar para a intervenção da polícia. Segundo relatos, não houve grande registro de pessoas feridas ou presas, mas foi a única forma da galera se dispersar. 

O campo repleto de restos mortais de vinil e destruído pela farra do público obrigou o adiamento do jogo de baseball para outra data. Ao que parecia, Steve Dahl havia atingido o sucesso esperado pela sua campanha maluca… Mas não era bem dos LPs que Steve e seus seguidores queriam se livrar.

O LADO OBSCURO DA HISTÓRIA

Traduzida para o português, a frase “Disco Sucks” significa algo como “Disco É Uma Merda”. A questão é que em inglês o termo pode ser entendido de forma ambígua, podendo fazer menção tanto ao disco de vinil, de fato, ou ao gênero musical “disco music”. É aqui que paira a polêmica da Noite da Demolição do Disco – ou melhor dizendo, da disco. 

Steve Dahl, que também é compositor, cantor e guitarrista, na década de 70 era um jovem americano branco de 20 e poucos anos e, além de trabalhar como locutor da rádio local WLUP (atual WCKL), também se apresentava como DJ em alguns clubes de Chicago. 

Em dado momento daquele 1979, com a ascensão da disco music, o clube onde Dahl residia – tocando outros estilos que não disco – informou o jovem DJ que passaria a introduzir a nova vertente musical nas noites da balada, e se Dahl quisesse continuar tocando por lá, teria que se adaptar à nova regra. Ele negou a proposta e não muito tempo depois surgiu nas rádios com a tal “guerra anti-disco”.

O DISCO OU A DISCO?

Alguns pontos de toda a saga da campanha “Disco Sucks”, expõem no mínimo um questionamento sobre a real intenção por trás da parada. O antigo estádio Comiskey (hoje U.S. Cellular) fica em Bridgeport, região naquela época habitada por uma maioria branca. O Chicago White Sox, então time da casa e um dos protagonistas da noite escolhida para a queima da disco, anunciou somente em 2020 que irá mudar o nome oficial, removendo o termo “white”, já que reconhecem ser totalmente inapropriado carregar em seu título o termo “branco” como referência à classe de povos. E ainda mais: testemunhas da Noite da Demolição afirmam terem visto nos destroços de vinis não somente LPs do gênero musical disco, mas também inúmeros rótulos de artistas negros.

Para se ter dimensão do tamanho apoio popular à campanha, em noites normais, o público esperado para as partidas na casa do White Sox era de aproximadamente 15 mil pessoas. Para o evento da campanha de Steve Dahl, estimavam que esse número chegaria a cerca de 20 mil, mas na hora, 50 mil pessoas passaram pelas portarias oficiais do estádio. 

Além desses cinquenta mil, calcula-se que mais umas 20 mil tenham entrado de forma clandestina – a galera escalou muro, pulou cerca, fez de tudo para acabar com “os discos”. Quem não conseguiu passar pelos portões e entregar seu LP, garantindo o ingresso por U$ 0,98, se acomodou onde pôde e arremessou seu vinil tal qual um freesbie ao meio de campo. Era muita vontade de destruir o/a disco.

O DISCO CAIU, O HOUSE SURGIU

Depois da Demolition Night, várias casas noturnas de Chicago dedicadas especialmente à disco music tiveram de fechar as portas ou se transformar rapidamente em country western bars, jogando a vertente dançante novamente para o subsolo. 

Felizmente, foi deste mesmo solo fértil que o gênero musical oprimido renasceu num novo formato. Com as festas disco rolando fora das vistas fáceis do público, mas sim em locais alternativos, surgiram também novas formas de mixar e produzir a disco music, dando vida ao que conhecemos hoje como House music. Uma das teorias para o surgimento do termo “house”, inclusive, faz menção aos lugares que abrigavam a cena neste período, “Warehouse”, que significa armazém. 

Steven Dahl chegou a afirmar em entrevistas que ele não gostava da disco music pois não sabia dançar aquele ritmo e se achava inadequado nos figurinos glamourosos que as pessoas geralmente vestiam para ir a uma festa disco. Ele disse também que nunca teve intenção de promover um ato preconceituoso através da campanha “Disco Sucks”, e que a ideia era somente tirar sarro da situação.

Pelo ponto de vista de alguns estudiosos do comportamento humano que analisaram o ocorrido, e, sobretudo, de negros que presenciaram direta ou indiretamente o dia da demolição, a ação foi claramente uma mensagem de ódio partindo de uma sociedade preconceituosa, que não conseguia aceitar que o mundo estava se transformando, que a cultura de grupos oprimidos estava ocupando posição popular, e que a comunidade negra, em especial, estava (re)conquistando seu lugar no corpo social. 

Já se passaram mais de 30 anos da ocasião, e provavelmente não haverá resposta absoluta sobre quais foram as reais motivações de Dahl e seus seguidores, mas fato é que tanto há três décadas quanto nos dias de hoje ainda parece bastante estranho que 70 mil pessoas se esforcem tanto pra deixar claro o quanto não gostam de certo tipo de música. 

Independente de tudo isso, ao fim do dia quem parece ter vencido a suposta “guerra” foi a Disco music, que sem a necessidade de qualquer tipo de ataque ofensivo, prosperou com suas raízes e ramificações ao longo dos anos, e estão até o dias atuais ocupando um espaço enorme da cultura musical.

TEXTO: ANNABEL GRIGNET

Redatora oficial do Cognição Eletrônica, jornalista inquieta, discente em Música pela UNILA e foliã na cena eletrônica da fronteira de Foz do Iguaçu.