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DO ELETRÔNICO AO CLÁSSICO – VIDA E CARREIRA DE RYUICHI SAKAMOTO

História

O nome de Ryuichi Sakamoto representa a genialidade musical em pessoa. Do piano ao sintetizador, o artista japonês tem em sua trajetória passagens importantes na revolução da música eletrônica e no aprofundamento da música erudita.

Músico, compositor, produtor e até mesmo ator, Sakamoto é bem conhecido pelas criações de trilhas sonoras de filmes premiados, mas muitos desconhecem sobre sua relação estreita com a música eletrônica experimental e uma enorme contribuição no desenvolvimento de sonoridades tecnológicas. 

Para desvendar a carreira deste célebre da arte musical, é válido percorrer os tempos passados e saber em detalhes como tudo começou.

SAKAMOTO SAN – 坂本 さん

Ryuichi Sakamoto nasceu em Tóquio, Japão, em janeiro de 1952. Aos 3 anos de idade já dedilhava as teclas do piano, aos 10 já havia iniciado os estudos em composição e no ano de 70 entrou na Universidade Nacional de Tóquio de Belas Artes e Música, onde viria a se graduar como Bacharel em Composição. 

Apesar de toda essa bagagem acadêmica e erudita, após a graduação, Ryuichi tornou-se mestre com ênfase em música eletrônica e étnica, e foi por esta veia que oficializou seu envolvimento inicial com a música. 

Entre o término da faculdade e especializações, Sakamoto já se arriscava em algumas composições bastante inspiradas no músico britânico Brian Eno. Em 1978, junto com os amigos da faculdade Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi, fundou a Yellow Magic Orchestra, banda de synthpop e uma das mais influentes no surgimento do Acid House e movimento Techno em meados dos anos 80. Mais conhecido como YMO, o grupo era famosíssimo no Japão e chegou a alcançar o topo das paradas britânicas com o sucesso “Firecracker”. 

A música tecnológica e de características futuristas da Yellow Magic Orchestra não era a única particularidade da banda – as apresentações eram compostas por figurinos bem ousados pra época, bem como as performances e clipes. A formação durou 5 anos e teve um papel crucial não só na modernização da música, mas também na mentalidade do público em relação aos estilos de som aceitos, no comportamento das pessoas e até mesmo no modo de se vestir.

O DEBUT DA ROLAND TR-808

Na fase da YMO, Sakamoto já experimentava os efeitos de sintetizadores como o Buchla, Moog e ARP, mas foi a Roland TR-808 que realmente brilhou nas mãos daqueles jovens orientais do techno-pop. 

A TR-808 foi a primeira caixa de ritmos programáveis produzida pela Roland Corporation em 1980, e foi naquele mesmo ano, numa apresentação ao vivo da Yellow em Tóquio, que o instrumento foi usado numa das primeiras vezes, durante a execução da faixa “1000 Knives”, composta por Sakamoto. 

No álbum “BGM”, lançado pela banda no ano seguinte, os músicos também aproveitaram muito os efeitos da TR-808, bem como na obra solo de Ryuichi, “Thousand Knives”. Esses dois trabalhos também abraçaram bastante as funções do MC-8 Microcomposer da Roland, que era capaz de sequenciar milhares de notas, trazendo mudanças significativas na criação musical das décadas seguintes. 

Em 1983 a TR-808 deixou de ser produzida, dando lugar a versões mais modernas, mas seu som tornou-se popular ao longo dos anos 80, principalmente na música eletrônica e no hip-hop.

DE BEATS ELETRÔNICOS AO CINEMA E SONS BRASILEIROS

O primeiro álbum do músico japonês saiu no ano de 1978 com o título “The Thousand Knives”, do qual o single de mesmo nome também foi lançado pela Yellow Magic Orchestra ainda naquele ano. Entre uma fonte e outra, dizem que o tempo de gravação do álbum foi de em média 400 horas. Em 1980 seu segundo álbum “B-2 Unit” alcançou o topo das paradas com a track “Riot in Lagos”, cheia de beats dançantes e muito inovadora. 

Em meio ao sucesso do conjunto, Sakamoto seguia paralelamente com criações solo e afirmando cada vez mais sua visão vanguardista no mundo da arte – em 1982 participou de uma canção da banda japonesa RC Succession e apareceu no clipe da música, onde contracenou com o já falecido Kiyoshiro Imawano uma cena de beijo gay, o que era muito audacioso naquela época. 

Esta não foi a única investida de Ryuichi nas telinhas. Em 83 ele atuou no filme “Merry Christmas, Mr. Lawrence” (Furyo, em Nome da Honra, ou apenas Furyo), do diretor Nagisa Oshima. O personagem de Sakamoto contracenava com ninguém menos que David Bowie, com quem inclusive manteve amizade alguns anos após as gravações, chegando a fazerem uma jam session de rock juntos, Bowie na guitarra e Ryuichi na bateria. 

Não obstante, a trilha sonora do longa-metragem também ficou por conta das inventividades musicais de Ryuichi Sakamoto, que nesta fase já demonstrava uma transformação de preferência musical, tendendo mais para o lado da música erudita contemporânea. A música-tema do filme, “Forbidden Colours”, alcançou enorme sucesso mundial.

Numa entrevista concedida ao jornalista Pedro Bial em 2017, Sakamoto disse que ficou tão frustrado com sua atuação em Furyo que acabou compensando com uma criação musical muito boa. Segundo as palavras do próprio compositor, no momento que a inspiração da música-tema deste filme veio, ele estava num estado quase inconsciente, mas que não havia usado nenhuma substância entorpecente (daquela vez). A versão instrumental batizada com o mesmo título do filme em inglês tornou-se a principal assinatura da carreira de Ryuichi, obrigatória em todas suas apresentações solo de piano até os dias de hoje.

Outros grandes sucessos do cinema têm a assinatura do mestre japonês em suas trilhas sonoras. Um dos destaques é o filme “O Último Imperador”, de Bernardo Bertolucci, que levou Oscar, Globo de Ouro e Grammy em 88 pela soundtrack. Outro filme de Bertolucci, “O Pequeno Buda”, também teve sua base musical feita por Sakamoto. Além destes, outros como “Tacones Lejanos”, de Pedro Almodóvar; “Olhos de Serpente” e “Femme Fatale”, de Brian de Palma; e “Gohatto”, “Chamame Pelo Teu Nome” e a série de TV “Wild Palms” também foram musicados por Ryuichi.

Vale ressaltar uma das composições mais recentes, em meio a tantas: o segundo episódio da quinta temporada da famosa série Black Mirror, “Smithereens”, de 2019. O tema revela o experimentalismo de Sakamoto e sua genialidade em elaborar composições perfeitamente ambientadas com a proposta em jogo.

Apesar das raízes fincadas em terras distantes das nossas, o coração musical do músico se mostra muito pulsante pela melodia brasileira – Ryuichi é fã declarado e muito influenciado por Tom Jobim. Inclusive, em 2001, Sakamoto esteve no Brasil para tocar ao lado de Gilberto Gil e do Quarteto Morelenbaum, formado pelo casal Jacques e Paula Morelenbaum, que estiveram muitos anos ao lado do próprio Antônio Carlos Jobim, e pelo filho e neto do grande músico brasileiro, Paulo e Daniel Jobim. 

Neste mesmo ano, Sakamoto, o quarteto e Paulo Jobim gravaram o disco “Casa”, álbum que foi gravado inteiramente na casa onde Tom Jobim passou os últimos anos de vida, no bairro carioca do Jardim Botânico. Por lá, com as janelas da sala abertas, houve a participação sublime do canto de pássaros, que eventualmente apareciam a assobiar durante uma faixa ou outra.

VIRTUOSIDADE QUE RESISTE

Na última década, Sakamoto enfrentou situações desafiadoras em sua vida pessoal. Em 2011 sobreviveu a um maremoto que atingiu o Japão, e algum tempo depois foi diagnosticado com câncer na laringe. Felizmente, o músico se recuperou da doença nos anos seguintes, e encontrou na música uma forma de transformar a experiência do tsunami em belos fragmentos de arte, utilizando em seu mais recente álbum “async”, um piano parcialmente destruído pelo maremoto. 

O artista veterano que ficou famoso pelas intervenções musicais eletrônicas nos primórdios de sua carreira, transmutou seus gostos e estilos sonoros com o passar dos anos, chegando a afirmar há algum tempo que passou a se dedicar quase inteiramente à música erudita por não ver mais a música pop como algo atraente. Porém, o mesmo também declarou não acreditar numa separação completa entre os diferentes gêneros de música – ele toca o que é de sua natureza e crê que a música é para todos.

As diferentes fases artísticas de alguém tão influente como Ryuichi Sakamoto nos mostram a normalidade e até mesmo necessidade do constante movimento, da constante mudança, abrindo espaço para o novo e tornando possível a união entre o tradicional e moderno.

Capa: Nathan Bajar

TEXTO: ANNABEL GRIGNET

Redatora oficial do Cognição Eletrônica, jornalista inquieta, discente em Música pela UNILA e foliã na cena eletrônica da fronteira de Foz do Iguaçu.