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WENDY CARLOS – A TRANS QUE REVOLUCIONOU A MÚSICA ELETRÔNICA

História

Matriarca da e-music em uma época onde o preconceito era ainda mais forte do que hoje e o estilo musical impopular e subestimado por muitos, Wendy Carlos construiu uma trajetória admirável, tornando-se uma das principais pioneiras da música eletrônica e das produções com sintetizadores da história.

A sua consciência, sempre a fugir de um padrão heteronormativo, foi se tornando mais sólida e palpável com o tempo. Quando fala sobre isso, Wendy deixa claro como essa passagem de sua vida não é a parte mais importante da sua identidade ou legado, já que a mesma foi precursora de um tipo de música que nos parece tão comum e ainda tão intrigante atualmente – mas que não existiria se não tivesse passado por suas mãos.

Wendy Carlos, mulher transsexual, foi pioneira na produção da música eletrônica para filmes e ajudou o lendário engenheiro Robert Moog a construir uma máquina responsável por mudar para sempre este gênero musical.

Nascida no ano de 1939 em Rhode Island, Estados Unidos, Wendy Carlos é uma musicista e compositora que ficou conhecida por suas trilhas de música para diversos filmes de sucesso.

Aos seis anos de idade, por influência da mãe que também dominava as teclas, iniciou aulas de piano. E para além dessa inspiração, sua família que a cercava dominava algum instrumento. Aos dez, ainda criança, sai sua primeira composição, “A Trio for Clarinet, Accordion, and Piano”.

Em 1953, com catorze anos, Wendy ganha uma bolsa de estudos ao participar de um concurso de ciências para estudantes do ensino médio, quando apresenta nada menos que um computador construído em sua própria casa (consegue imaginar?).

Ela, então, de 1958 a 1962, frequentou a Brown University, graduando-se duplamente em física e música.  Não satisfeita, após se formar, a mesma decidiu mudar-se para Nova York em 1962 para estudar composição musical em Princeton.

 

Sabe aquele sonho de um dia poder aprender direto com as nossas maiores referências? Mal sabia Wendy que o seu estava prestes a se realizar.

Durante o período que estava na Universidade, ela teve grandes oportunidades de desenvolver suas habilidades com vários precursores da música eletrônica. Um deles foi Vladimir Ussachevsky, homem que a aconselhou a ir atrás de um dos engenheiros mais importantes e criativos da história da música eletrônica, Robert Moog.

Robert estava projetando um sintetizador analógico para criar sons conectando módulos com fios elétricos e girando botões. Wendy acabou ajudando-o no desenvolvimento do sintetizador Moog, o primeiro instrumento de teclado disponível comercialmente.

“Bob Moog e eu tínhamos a mesma mente – ele era o engenheiro por trás disso e eu tinha mais as habilidades de performance da orquestra do compositor, mas nós dois falávamos a língua um do outro”, comentou Wendy Carlos, à revista Mavericks em 2003.

Se essa história acabasse por aqui, já poderíamos dizer que Wendy teve uma grande participação no legado da música eletrônica, mas ela estava apenas começando…

Foi em uma apresentação em 1968, utilizando um sintetizador Moog para o álbum ‘Switched-On Bach’ que Wendy chamou a atenção dos holofotes ao ganhar três prêmios Grammy e ainda, de tabela, ajudou a popularizar o uso do aparelho na década de 70.

Vale salientar que este álbum quebrou recordes (e regras), no mesmo ano em que foram lançados Astral Weeks (de Van Morrison), The Beatles – Álbum Branco, Cheap Thrills (Janis Joplin & Holding Company), Beggar’s Banquet (The Rolling Stones) e Electric Ladyland (The Jimi Hendrix Experience). Concorrência? Quase que nenhuma.

Seu sucesso comercial levou à vários outros álbuns de diferentes gêneros, incluindo adaptações de música clássica sintetizada, música experimental e ambiente.

Exemplo disso é o álbum duplo de 1972 chamado ‘Sonic Seasonings’, que tem um lado dedicado a cada uma das quatro estações e, em cada lado, uma única faixa longa, contendo uma mistura de sons gravados e sintetizados, sem melodias, desenvolvidos para criar um efeito ambiente. Apesar de não ter sido tão popular quanto os anteriores, o álbum serviu de inspiração para outros artistas na criação de música ambiente.

No mesmo ano, Wendy compôs e gravou a trilha sonora para o filme “Laranja Mecânica”, clássico do cineasta Stanley Kubrick. Sua gravação da “Nona Sinfonia de Beethoven” também foi usada como introdução na apresentação de David Bowie em ‘Ziggy Stardust and the Spiders from Mars’, de 1973.

Em 82, Wendy gravou a trilha do filme Tron, da Walt Disney, obra que incorporou orquestra, coro, órgão e sintetizadores analógicos e digitais. Curiosamente, algumas de suas trilhas foram substituídas por uma canção da banda de rock americana Journey.

Ao lado da Orquestra filarmônica de Londres, Wendy assinou a trilha sonora de “Tron”, filme da Disney que gerou mais de 50 milhões de dólares de bilheteria.

O sucesso do aparelho foi tão grande que algumas das maiores bandas de rock da história foram pioneiras em gravar com um Moog, como The Byrds, The Monkees, The Doors e The Rolling Stones. Mas até aí o sintetizador de Robert continuava sendo uma espécie de item decorativo, quase como se fosse um “brinquedo esquecido”.

Wendy então, mostrou suas possibilidades. No álbum ‘Switched-On Bach’, aquele do qual citamos anteriormente, ela não tentou usar o sintetizador para emular outros instrumentos ou mesmo criar trilhas futuristas fakes. Sons de robôs? Adeus clichê!

“Era um dispositivo muito limitado. Não era lá essas coisas como instrumento musical. Muito precário em formas de expressão, a prova disto é que havia pouca gente que usava o instrumento e que fizesse coisas interessantes nele. Ou seja, você precisava ser pessoalmente inventivo e habilidoso pelo fato de o instrumento ser tão deficiente”, comentou Wendy Carlos, à revista Mavericks em 2003.

Falando sobre o Moog, o visual do sintetizador era similar a uma mesa de telefonista, uma espécie de gabinete com alguns módulos. A associação que as pessoas faziam dele à música vinha em grande parte de seu teclado que, na realidade, dificultava ainda mais o seu manejo.

Ironicamente, Wendy também foi iludida pelo teclado no início, imaginando que para utilizar o Moog bastava sentar-se diante dele e manipular suas teclas, como se fosse um piano ou um órgão.

Construir músicas através do Moog era um trabalho não apenas musical como também braçal. Ele é um instrumento monofônico, ou seja, emite uma nota de cada vez, e bastava a mais leve mudança de temperatura para começar a desafinar — o que forçava o músico a gravar e escutar logo em seguida o resultado, para conferir a afinação. Um grande exercício de paciência.

Neste breve clipe de um episódio da ‘Horizon’, televisionado em 1989 na BBC , Wendy, acompanhada por seus dois gatos, explica como usa sintetizadores analógicos para criar fac-símiles (toda cópia ou reprodução de letra, gravura, desenho, composição tipográfica e etc.) eletrônicos de instrumentos reais.

No vídeo também podemos vê-la operando um dos sintetizadores Moog originais do tamanho de uma geladeira, parecidos a uma velha central telefônica com um teclado conectado. Ao plugar e desplugar uma série de cabos, ela demonstra a onda senoidal (uma curva matemática que descreve uma oscilação repetitiva suave, sendo esta uma onda contínua) desconstruída de seu som original “puro”, porém áspero. Mais tarde, os sintetizadores analógicos eram aditivos, não subtrativos, explica ela.

 

Depois do sucesso de ‘Switched-On Bach’, o Moog passou a ser instrumento obrigatório em estúdios. Várias faixas de ‘Abbey Road’, dos Beatles, tem o som do Moog. Nas turnês do Emerson, Lake & Palmer (banda de rock progressivo britânica), o tecladista Keith Emerson viajou acompanhado de cinco sintetizadores.

Wendy seria indiretamente responsável pelo rumo em direção ao progressivo que o rock tomou. O sintetizador foi acrescentado ao equipamento de quase todas as bandas de rock, que exploraram suas sonoridades levando o gênero adiante.

Uma conquista impulsionadora e gratificante para ela.

A Arte do álbum “Switched-On Bach” gerou polêmica ao utilizar a imagem do compositor clássico Johann Sebastian Bach em frente a um Sintetizador Moog, simbolizando um contraste de gerações.

Aqui vai algo bem curioso: existe um fato na vida de Wendy que a une a um grande artista brasileiro. Ela acompanhou Rachel Elkind-Tourre (responsável por produzir vários de seus álbuns) na produção do disco ‘João Gilberto’, lançado em 1973, do cantor e violonista de mesmo nome. Wendy trabalhou como técnica de gravação e mixagem do álbum.

“Com João Gilberto, que é mais velho e tem mais experiência na música do que eu, senti que era um ótimo aprendizado: observá-lo no trabalho, como um álbum se encaixaria. Achei sua habilidade com o violão incrível. Além disso, ele tinha todo o controle. Eu precisava apenas posicionar os microfones com cuidado, e definir os níveis deles apenas uma vez. Depois deixava por conta dele. Ele fez todo o resto… Eu o achei modesto, bastante tenso, um pouco cauteloso com outras pessoas que ele não conhecia”, afirmou Wendy.

Em abril de 2005, Wendy recebeu o prêmio ‘SEAMUS 2005 Life Achievement Award’, em reconhecimento ao seu trabalho inovador no mundo eletroacústico desde os anos 60. Ela já apresentou trabalhos na Universidade de Nova York, na ‘Digital Audio Conference da Audio Engineering Society’, na demonstração e painel ‘Dolby’s NYC Surround Sound’ e em outras conferências de música/áudio.

A artista é membro da Sociedade de Engenharia de Áudio, da Sociedade de Engenheiros de Cinema e Televisão e da Academia Nacional de Artes e Ciências de Gravação. Atualmente, Wendy promove consultorias para vários desenvolvedores de Macintosh, incluindo Mark of the Unicorn, Opcode e Coda. Projetou fontes de música PostScript para Casady & Greene e desenvolveu bibliotecas e ajustes para Kurzweil/Young Chang.

Wendy é agradecida por tudo que aconteceu em sua vida e comenta que ao olhar para Bob Moog e os outros que vieram antes dela, a mesma se considera grata e com bastante sorte de ter estado presente quando a música eletrônica ainda era uma criança. No geral, Wendy Carlos colocou melodia, harmonia e orquestração na música eletrônica. Graças a sua busca por músicos e compositores para acompanhar a tecnologia, ela contribuiu para o desenvolvimento de sintetizadores Moog e mudou a música para sempre.

 

Finalizando essa história, mais do que inspiradora, deixo aqui um pensamento da própria Wendy que, com toda certeza, será de grande utilidade para todos que lidam com música ou algum outro tipo de arte:

“Por que sempre procuramos algo que nunca ouvimos antes? Se sua busca não é tão boa quanto você pode ser, mas uma obsessão por ser nova, você jogou fora sua arte. A arte tem que ser estável até certo ponto. O meio amadureceu e é capaz de grande profundidade e expressão, mais do que a tecnologia jamais poderia esperar ser. Agora que a tecnologia amadureceu, as pessoas devem tentar fazer uma ótima música, a música carnuda, e não ceder a todos os clichês comerciais. Mas isso sou eu falando. Para aqueles que consideram a música apenas como uma carreira, esse provavelmente é um mau conselho. Esqueça o que eu disse. Mas se você está fazendo isso como artista, então, por todos os meios, mire no bem”.

TEXTO: TAWANNE VILLARIM

Potiguar, mas de alma recifense, Tawanne é estudante de Jornalismo, apaixonada por música eletrônica e co-fundadora do BITZ, portal direcionado à cena eletrônica do Nordeste.

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